domingo, 26 de outubro de 2008









Quando regresso, faço-o com a fúria de quem nunca lá esteve.Gosto de chegar sozinha e ao entrar na aldeia desligar o rádio que me acompanhou durante a viagem.Abro o vidro e mesmo sem dar conta já estou a fazer o primeiro aceno.Começo inevitavelmente a sentir-me em casa.
Gosto de lembrar.Gosto de conseguir retirar da nostalgia quase tanto riso como do presente e talvez por isso só aqui esteja completa.É nessa nostalgia que encontro o segredo para partir sem nunca abandonar o Alentejo.
Levo sempre comigo a terra seca e o calor que gentilmente turva o pensamento, mas que sabe bem de tão puro. Levo o frio cortante do inverno e a chuva que só ali tem aquele cheiro.Levo o fumo da braseira e do forno de lenha.Levo o cantar ao som da rua daqueles que muitas vezes se deixam vencer plo vinho.
Levo as testas enrugadas e as peles queimadas de quem muito tem para contar.Levo a paciência para esperar o que nunca vai acontecer e levo a verdade de quem nunca aprendeu a ser de outra maneira. Levo a grandeza da planície e a imagem da azinheira,que tal como o poeta dizia, nunca saberá a idade.
Levo tudo o que posso quando parto, volto a trazer tudo quando regresso porque quem ama a terra não sabe roubar sem mais tarde devolver.Fecho o vidro, ligo o rádio e a única certeza é sempre a vontade de regressar.
Grande senhor, grande letra e grande música...


Espero-te ao amanhecer.É o mais belo de todos os amanheceres e é por isso que contigo o quero patilhar.Juntos fixaremos o horizonte onde o castanho da terra abençoada se casa com o azul que é dos teus olhos e que o céu teve a elegante ousadia de copiar.
Sei todos os nossos passos de cor e por isso sei que vais colocar com a mais
firme delicadeza o teu braço em meu redor e me vais apertar sem nada dizer, porque o tempo foi tão amigo quanto conselheiro e ensinou-nos a silenciar o precioso e a deixar adivinhar o que de tão forte só o pensamento pode dizer.
Grito sem qualquer pudor que te quero ao amanhecer,porque te quero sem remorsos nem dores do tamanho do peito que só as noites mais escuras sabem trazer, quero-te inteiro e ingénuo, quero-te puro de ideias e de desejos e despido de preconceitos e ambições,traz contigo apenas a inocência e a esperança características de um começo onde não há promessas em vão que sabem transformar doces luares em dias cinzentos. Vem sem medo, de peito aberto e olhar firme que sabem ser fieis aos que nada têm a perder porque inda não planearam nem construiram o quevem a seguir.
Quero inventar contigo uma manhã sem geada e uma tarde em que o sol nunca tenha a coragem de se por,o dia sem ontem nem amanhã e aí me quedar ao sentir o sabor dos beijos que me dás com a calma própria de quem começou a ler um livro do qual já sabe o final, beijos esses dos quais eu nunca saberei guardar uma saudade que só sabe existir no que está para vir.
Só nessa altura nos permitirei sonhar já que finalmente saberemos onde mora a mágoa.Ficaremos só com o hoje e nele faremos as coisas mais belas porque já não temos medo.Espero-te ao amanhecer.
Fechei a porta do carro e saí.Respirei fundo como se tratasse do meu último suspiro e senti de imediato um cheiro ingenuamente sedutor a Verão e a luar.Olhei para a estrada, a recta perdia-se de vista e ao longe confundia-se com o escuro.
Lembrei-me então que estava sozinha e sorri,como que agradecida plo simples facto de poder partilhar comigo aquele momento que de tão melancólico merecia ser só meu.Sabia que não era egoísmo, era simplesmente um luxo ao qual se podem dar aqueles a quem,por ironia,nenhuma alternativa foi oferecida.
Fiz um esforço por trazer à memória os momentos partilhados, os bons e os maus,aqueles em que eu me dei e aqueles em me olhaste com a cumplicidade de quem partilhou. O conforto, agora agridoce,apercebi-me então que vinha com o saber que estes nunca poderiam ser de mais ninguém.Estava,agora sim,a ser egoista.
Foi na saudade que me parei.Fui ficando enquanto quis e porque me estava a saber bem desfrutar deste
presente chamado existência,envenenado por um fim chamado apenas fim.Sei quem um dia inda irei sentir saudade da saudade que sinto hoje, e será esse e só esse o dia em que te vou perder e perdoar.
Agora digo livremente que não te quero a ti mas quero o beijo e a mão no cabelo, quero o respirar quente a fazer arrepios e a verdade, quero o prazer e o rir.Quero tudo,enquanto for capaz de guardar.
Penso com a simplicidade de quem sabe não haver outro caminho a seguir e recordo com o entusiasmo de quem
já percorreu tudo o que conseguiu.Nunca hesitámos.Talvez fosse esse o nosso ponto forte ou quem sabe a nossa maior fraqueza. Nunca ficámos a dever nem nunca cobrámos o que não devíamos.Os segredos,esses, prometo nunca os contar a ninguem.
A lua estava agora de uma cor muito mais bonita.Ao entrar no carro,apercebo-me que de já não estou a chorar.Vejo a pouco e pouco a recta desparecer à minha frente.Ligo o rádio e ouço o "Mr. Tambourine Man".Curiosamente, não tive dúvidas que aquela música era para mim.Enquanto cantava tomei consciência que sabia exactamente o caminho a seguir.Haveria melhor maneira de recomeçar?